Enquanto o professor explica a matéria, surge na tela uma notificação; não adianta virar o celular de cabeça para baixo, agora ele está vibrando. Os olhos pulam do quadro e das letras embaralhadas para os milhões de pixels que exibem uma curtida que o aluno ganhou ou uma mensagem de um amigo. As mãos coçam para dar uma olhadinha rápida.
A recente aprovação da Lei Federal 15.100 é um dos assuntos do momento na educação brasileira e versa a respeito da proibição de celulares pelos estudantes em sala de aula. Em Santa Catarina, o uso é vetado desde 25 de janeiro de 2008, pela lei Nº 14.363. Apesar de já existir há 17 anos, a lei não cria nenhuma especificação sobre como isso de fato seria aplicado. O artigo 1º diz: “Fica proibido o uso de telefone celular nas salas de aula das escolas públicas e privadas no Estado de Santa Catarina“. E só.
No frigir dos ovos, o monitoramento fica a cargo de cada unidade escolar; os professores e equipe são os responsáveis pela fiscalização. Mas como? Confira na matéria uma entrevista com uma professora, uma psicóloga, alunos e a secretária de Educação de Tubarão a respeito da situação.
“É necessário dialogar com os alunos e repensar a forma de dar aula”, afirma professora
A professora de Língua Portuguesa Karina Rosa, mestra em Literatura e doutoranda em Educação pela Udesc, afirma que uma das formas de driblar o celular em sala de aula é tornar a aula atrativa e trazer o aluno para o centro da discussão. “Hoje eu me encontro num contexto de educação pública em Santa Catarina e vejo que o celular acaba se tornando mais atrativo porque as aulas não são. O que falta são recursos, na verdade. Muitas vezes as pessoas acham que apenas ter um data show e um computador torna a aula algo prazeroso, mas não, necessariamente. A diversidade de maneiras de se apresentar um assunto, fazendo com que o aluno interaja e se torne protagonista é um fator essencial”, explica.
Ela conta que desenvolveu uma relação de diálogo com os alunos. “Sempre tive um combinado com meus alunos de que durante as explicações eles não usariam o celular. E sempre deu certo. Por quê? Porque tudo é dialogado”, ressalta. Para Karina, o desafio maior da legislação é a capacitação pedagógica. "Mais difícil do que lidar com o celular é lidar com a falta de capacitações pedagógicas. Quando temos uma semana pedagógica, por exemplo, não estamos discutindo os estudos que vêm sendo feitos nas diversas áreas do ensino – no meu caso, na de Linguagens. Em vez disso, debatemos questões como 'o celular é ruim'. Mas e o que pode ser interessante? O que pode ser benéfico?”, provoca.
Karina considera que a lei impacta positivamente o aprendizado do aluno. “Durante o momento da aula o aluno não ter um celular na mão ajuda. Por quê? Porque a partir do momento que ele não tem algo para distraí-lo, ele vai querer participar mais daquela aula”, explica. Embora considere a lei benéfica, Karina levanta como preocupante a questão da fiscalização. “Não pode levar o celular, porém, a gente sabe que eles levam. E a quem caberá fiscalizar isso? Se eu encontrar um aluno mexendo no celular, vou precisar tirar o aparelho dele e o estereótipo da vilania recai sobre o professor, como se a gente fosse ruim. Fizeram a lei, mas não pensaram em como vai ser essa aplicação. E o que me parece é que a que cada escola vai tomar um direcionamento”, disserta.
A professora discorda que a proibição também nos intervalos, como prevê a lei nacional, seja algo que gere uma socialização espontânea nos alunos. “Talvez com o celular na hora do intervalo, ele vai mostrar um vídeo para um colega, e ele vai acabar interagindo. Porque para o aluno que tem uma dificuldade de socialização, a proibição do celular não vai fazer com que ele socialize. Aqueles que são um pouco mais tímidos precisam de outros encaminhamentos que não a proibição do celular”, aponta.
“Amurel prepara uma diretriz regional”, afirma diretora-presidente da Fundação Municipal de Educação de Tubarão
Em Tubarão, a Fundação Municipal de Educação já se prepara para acatar a legislação, mas aguarda definições da Associação de Municípios da Região de Laguna (Amurel) para alinhar a implementação de forma coletiva com os 18 municípios pertencentes à entidade.
Segundo Marlise Nunes, diretora-presidente da Fundação Municipal de Educação, a adaptação à nova lei será registrada no Projeto Político-Pedagógico (PPP) de cada escola. "O PPP é o documento norteador das nossas unidades escolares, e queremos revisar esse material com nossas diretoras para incluir a regulamentação do uso dos celulares", explica.
A Prefeitura de Tubarão pretende adotar diretrizes para garantir que a medida seja implementada de maneira organizada, incluindo a definição sobre a guarda dos aparelhos dentro das escolas. "Precisamos alinhar detalhes como se os celulares ficarão na mochila dos alunos ou se haverá um local específico dentro das unidades escolares para armazená-los", destaca Marlise.
Apesar de a cidade já seguir normas estaduais sobre o tema, a diretora reforça a importância de uma padronização regional. "Tivemos uma reunião com os 18 secretários municipais da Amurel para discutir a criação de um documento único sobre a aplicação da lei. Estamos aguardando essa definição, mas, independentemente disso, já estamos nos organizando para garantir que a nova norma seja incluída nos PPPs das nossas 43 unidades escolares", afirma.
"Nosso compromisso é seguir a lei, mas estamos aguardando se haverá uma diretriz regional ou se cada município precisará definir sua própria abordagem", conclui Marlise.
“O celular prejudica, mas é necessário equilíbrio”, dizem alunos
Os irmãos Maria Luiza Cesconeto, de 15 anos, e André Vinicius Cesconeto, de 17 anos, ambos moradores do bairro Santo Antônio de Pádua, comentaram a nova legislação.Maria Luiza concorda parcialmente com a proibição do uso de celulares dentro da sala de aula, mas acredita que impedir o uso durante o recreio não faz sentido. “Claro que o celular é uma ótima ferramenta de estudo, mas também pode ser uma forma de auto sabotagem. Se eu estou com o celular para ‘pesquisar’, é muito mais fácil já procurar a resposta no ChatGPT”, explica.
André Vinicius compartilha da mesma visão e acredita que a presença do celular pode impactar a concentração dos alunos. "Podem impactar negativamente, uma mensagem, uma notificação, pode ser uma distração", afirma. Se pudesse criar uma regra sobre o tema, André sugere um equilíbrio. "Minha regra seria uso permitido com autorização do professor, para atividades educativas. Se a gente não souber usar o celular, prejudica a gente mesmo e até os colegas”, afirma.
Maria relata que já perdeu conteúdos importantes por estar distraída com as redes sociais. "Uma vez, o professor estava explicando um assunto que ia cair na prova, mas eu estava vendo TikTok. No dia da prova, eu não sabia nada", lembra.
A regulamentação do uso de celulares fora da sala de aula também é um ponto de debate. Para Maria Luiza, a decisão deve ser individual. "Muita gente fala que é bom desapegar do celular para interagir com os amigos. Mas e quem não tem amigos? Vai olhar para o teto?", questiona. “Os celulares poderiam ser usados quando realmente necessários ou durante o recreio. Assim, o foco nas aulas seria mantido, mas os alunos ainda teriam momentos de uso livre em certos horários", propõe. André concorda com a irmã. “O intervalo é um momento de descanso, deveria ser permitido”, finaliza.
“Uso excessivo do celular afeta saúde mental de crianças e adolescentes”, alerta psicóloga
Quanto tempo passamos na frente das telas? A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que adolescentes entre 11 e 18 anos, por exemplo, não passem mais de três horas por dia em frente a telas, incluindo o celular, a televisão e os videogames. No entanto, alguns estudos indicam que os adolescentes passam mais tempo em frente a telas, podendo chegar a oito horas e meia por dia.
O uso excessivo de aparelhos eletrônicos pode trazer impactos negativos à saúde mental de crianças e adolescentes. Entre os principais problemas causados pelo tempo excessivo diante das telas estão o aumento da ansiedade, dificuldades no sono, especialmente quando há exposição antes de dormir, e o isolamento social.
De acordo com a psicóloga Mariele Carara Citadin (CRP12/15912), especialista em Desenvolvimento Infantil, é essencial que pais e educadores estejam atentos ao uso inadequado da tecnologia. “Embora a tecnologia facilite a conexão, o uso imoderado pode levar ao isolamento social e prejudicar o desenvolvimento emocional dos jovens”, destaca.
A psicóloga afirma que o ambiente escolar desempenha um papel fundamental na conscientização sobre o uso saudável das telas. “Promover uma oda de conversa com os adolescentes, incentivar a prática esportiva e trazer palestras sobre o uso consciente da tecnologia é uma forma de preparar os jovens para um uso mais equilibrado”, explica.
Além das ações na escola, Mariele reforça a importância do papel dos pais e responsáveis no monitoramento do uso das telas dentro de casa. “Estabelecer limites claros de tempo de uso e oferecer alternativas saudáveis de lazer são medidas fundamentais para evitar o uso abusivo”, orienta.