A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado deve votar nesta quarta-feira (14) uma proposta que anula trechos de um decreto do presidente Lula (PT) e flexibiliza restrições ao acesso às armas.
O texto volta à pauta da CCJ após pressão de parlamentares sobre o presidente do colegiado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para que o projeto seja aprovado às vésperas do início das campanhas municipais.
Ao todo, a proposta derruba seis regras — ainda válidas — estabelecidas pelo decreto editado por Lula, em julho de 2023, para ampliar o controle sobre armamentos no país.
Em linhas gerais, o texto:
As regras do decreto de Lula somente serão anuladas se a proposta for aprovada pela CCJ e também pelo plenário do Senado. Se não sofrer modificações, o texto, que já foi aprovado pela Câmara, será diretamente promulgado pelo próprio Congresso — sem passar pela sanção do presidente Lula.
A possibilidade de uma eventual derrubada dos trechos é celebrada por associações que representam os CACs (Caçadores Atiradores e Colecionadores). E duramente criticada por entidades civis especialistas em segurança pública, como o Instituto Igarapé.
O instituto avalia o texto como uma possibilidade de “colocar em xeque a eficácia do controle de armas restabelecido” durante o governo Lula.
Por outro lado, as confederações de tiro esportivo afirmam que a proposta dá fim a medidas que têm causado “constrangimentos e entraves ao pleno desenvolvimento das atividades desportivas”.
Por trás das manifestações, o projeto chegou ao Senado com um acordo já pacificado entre a “bancada da bala” e o governo.
O texto foi aprovado pela Câmara em votação simbólica, com uma vice-líder do governo como relatora e como fruto de diálogos com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
Líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA) afirmou que o texto terá o mesmo tratamento na Casa.
Na prática, significa que não deverá enfrentar problemas na CCJ e, futuramente, no plenário principal do Senado — votação que ainda não tem data para ocorrer.
O relator do texto no Senado, Vanderlan Cardoso (PSD-GO), declarou que, após a análise do projeto, pedirá a aprovação de um requerimento de urgência para que a proposta entre com mais rapidez na pauta do plenário principal do Senado.
Interlocutores do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), dizem que não há chance de a proposta ser discutida nesta semana.
O projeto anula trecho do decreto de Lula e passa a permitir que clubes de tiro sejam instalados a menos de um quilômetro (km) de distância de creches, escolas e universidades públicas ou privadas.
Segundo Vanderlan Cardoso, a derrubada do trecho devolve aos municípios a competência para criar regras sobre a localização desses ambientes, que podem ou não contemplar distâncias mínimas de instituições de ensino.
O Instituto Igarapé afirma que 8 em cada 10 clubes de tiro estão a menos de 1 km de escolas. Para a entidade, a proximidade entre clubes de tiro e instituições de ensino pode “afetar a segurança e aprendizagem” das crianças.
“Estudos mostram que a presença de armas de fogo em uma cena aumenta significativamente a probabilidade de violência e efetuação de disparos em ocorrências, seja por meio de brigas de trânsito, acidentes ou ainda, nestes casos, por tentativas de roubo aos clubes de tiro”, diz a entidade.
O decreto do presidente Lula determinava também que os clubes de tiro já existentes deveriam se adequar às regras de distância em até 18 meses — ou seja, até janeiro de 2025.
A proposta discutida no Senado propõe anular essa medida, que também acabaria com o mesmo prazo para que clubes de tiro regularizassem condições de uso e armazenamento das armas.
Flexibilização para armas
O projeto autoriza que colecionadores, habilitados pelo Exército, reúnam armas iguais às utilizadas pelas Forças Armadas.
Também permite a coleção de armamento atualmente proibido. São eles:
Comprovações para atiradores
A proposta acaba com um regramento que prevê comprovações de treinos e participação em competições para que uma pessoa conquiste o registro como atirador.
O trecho, que pode ser derrubado se o Congresso aprovar a proposta, estabelecia que, em cada um dos três níveis de registro, o atirador precisaria comprovar anualmente os critérios para cada um dos calibres registrado — a chamada habitualidade.
O texto também derruba uma regra que, para subir de nível, o atirador precisaria permanecer ao menos 12 meses em uma mesma classificação.
Apesar das mudanças, a proposta mantém os limites de armas e munições para cada nível de atirador:
Para o Instituto Igarapé, os trechos que podem ser derrubados pela proposta ajudam a “diferenciar atiradores amadores e profissionais, permitindo que somente atiradores mais experientes tenham acesso a armas e munições mais potentes”.
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“Essa medida possibilita que os CACs possam ter armas que atendam às características e necessidades de cada categoria, viabilizando um maior controle sobre os armamentos e munições”, afirma a entidade.
O projeto acaba com qualquer tipo de restrição e controle, por parte do Exército e da Polícia Federal, sobre armas de pressão.
O texto de Lula previa restringir o acesso a armas de pressão com calibre superior a seis milímetros. Com a derrubada do trecho, deixam de existir regras para esse tipo de armamento.
Para o relator do texto no Senado, a restrição não "possui finalidade lógica".
"Não há que se falar em uso permitido ou restrito, quando não há vedação legal sobre o objeto. Isso fere o princípio da legalidade", argumentou.
A proposta permite aos CACs trocar armas com outros CACs, derrubando a proibição à transferência de acervos estabelecida pelo texto de Lula.
Além disso, a proposta também autoriza que armamentos registrados para uma finalidade sejam utilizados em outra — exemplo: uma arma de fogo cadastrada como de coleção poderá ser usada em tiro esportivo.
A proposta devolve ao Exército a competência para atestar e validar uma arma como histórica ou de coleção. O decreto de Lula dava esse poder ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) — o que, para entidades, poderia levar a um “maior controle sobre a prática do colecionamento”.
Se a CCJ e o plenário do Senado aprovarem o projeto, também passará a ser permitido que armas de coleção sejam utilizadas para disparos, além de eventos específicos e testes.
A proposta também concentra poder no Exército ao devolver às Forças Armadas a competência para regulamentar o processo de qualificação de pessoas jurídicas como colecionadoras de armas.
Foto: Unsplash/Hosein Charbaghi.